A história registra que a fundação do Uberlândia Esporte Clube deu-se em 1º de novembro de 1922 após um desentendimento entre os integrantes dos partidos Cocão (Republicano Municipal) e Coiós (Republicano Mineiro). Quando foi criado, o clube se chamava Uberabinha Sport Club — uma referência a São Pedro do Uberabinha, como era chamado o município naquela época.
Vários documentos históricios, contudo, registram que a fundação do clube pode ter ocorrido em uma data anterior, e que o dia 01/11 poderia representar um movimento de refundação do clube. O Livro “História do Futebol em Uberaba”, publicado originalmente em 1922, registra seis partidas entre o Uberaba Sport Club, fundado em 24/06/1917, e o Uberabinha Sport Club, antes da data comemorada como sendo da fundação do Uberabinha (hoje Uberlândia Esporte Clube).
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Seriam elas:
20/01/1918 Uberaba 2x0 Uberabinha
20/01/1918 Uberaba 2x0 Uberabinha
18/08/1918 Uberaba 3x1 Uberabinha
19/10/1918 Uberabinha 1x1 Uberaba
25/05/1919 Uberaba 2x1 Uberabinha
20/07/1919 Uberabinha 1x1 Uberaba
06/06/1920 Uberaba 9x1 Uberabinha
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As referências ao Uberabinha Sport Club surgem também em jornais da cidade de Uberabinha (que só viria a se transformar em Uberlândia no ano de 1929). O Uberabinha seria um misto dos antigos clubes Spartano e Rio Branco, conforme informações contidas no jornal “A Notícia”, em edição do dia 04/08/1918. Outro relato, publicado no jornal “A Tribuna”, de 13/06/1920, confirma a goleada aplicada pelo Uberaba na semana anterior, devidamente registrada no livro uberabense.
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Esta partida merece ser relatada, pela riqueza dos detalhes encontrados sobre a mesma e a coincidência sobre o resultado final nas publicações das duas cidades. Segundo o historiador Hildebrando Pontes, em seu “História do Futebol em Uberaba” estava em disputa a Taça “Alceu de Miranda”, oferecida pelo Sr. Cantidiano de Almeida, um dos fundadores do Uberaba Sport. Antes da partida, tocou a banda Ítalo-Brasileira. Havia dois preços para os ingressos: 3$000 nas arquibancadas e 1$500 nas gerais.
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A seguir transcrevemos parte da coluna “Crônica da Cidade”, publicada no jornal Correio de Uberlândia em 20/11/2007, que também fala dessa partida:
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Uma notícia esportiva publicada no jornal “A Tribuna”, de 13/06/1920, nos traz algumas surpresas. A primeira é a que fala do jogo ocorrido em Uberaba, no Campo da Misericórdia, entre as equipes do Uberaba Sport Clube e do Uberabinha Sport Club. Já tínhamos descoberto um jogo do Uberabinha em 1918, agora nos surge este de 1920, a nos mostrar que em 1922 não houve a fundação do UEC, como a história tem registrado, mas o seu renascimento — ou a confirmação de sua existência.
A segunda é interpretação disparatada do resultado: apanhamos de 9 a 1 e o cronista tem a coragem de falar em “Victoria moral”. O título da matéria é “Foot-Ball – Match Intert-Municipal” e os subtítulos: “A nossa Victória Moral! Revanche — Revanche!” Lê-se tudo e não se encontra o que justifique a tal vitória “moral”.
Antigamente, um encontro futebolístico era um acontecimento cívico. Tão logo o Uberaba desafiou o Uberabinha, os jogadores (dizia-se “players”) muniram-se de listas e invadiram o comércio pedindo auxílio para passagens e estadia. Foram atendidos. Dez horas da manhã, a estação da Mogiana estava apinhada de torcedores e autoridades que foram despedir-se dos atletas. Heróicos pracinhas seguindo para a guerra.
À partida do comboio “ouviram-se vibrantes aclamações partidas de todos os logares”. Ao aproximar-se da estação de Uberaba, o trem começou a apitar avisando a chegada dos atletas. A estação também estava cheia. Gritavam “vivas” e uma banda de música sapecou alguma peça maviosa.
Encaminhados ao hotel, os atletas logo se uniformizaram e seguiram para o campo. O jogo começaria às 15h30. Nos primeiros minutos, o goleiro uberabinhense, Fefé, conhecido por suas maluquices, suas gracinhas em campo, como matar a bola no peito e sair jogando, tirar de cabeça os petardos dos adversários, tentar driblá-los, aprontou. O cronista fala em “delinqüência flagrante do nosso goal keeper”. Insensível aos seus comandos, o “capitain” Paco solicitou ao juiz que lhe permitisse tirá-lo do jogo.
Naquele tempo, os times não tinham reservas. Quando, por algum motivo, alguém precisava ser substituído, o responsável pelo time pedia a qualquer um que entrasse. O sujeito geralmente estava de roupa comum, às vezes até de terno, sem material, sem nada. Era um substituto verdadeiramente improvisado. Como estava na arquibancada um velho torcedor que há anos deixara de jogar, puseram-no no lugar do Fefé. Chamava-se Magno. E isso foi aos 35 minutos do primeiro tempo, quando Fefé já tinha engolido quatro!
No segundo tempo ou no segundo “half time”, como se dizia, Lopes sentiu-se mal e pediu para sair. Como não havia mais ninguém em condição de entrar em campo, ficamos com 10. Enfiaram mais cinco.
Ao fim do jogo, os atletas uberabinhenses foram conduzidos de automóvel para o hotel e, depois de banhados e trocados, foram para a sede do Uberaba Sport. Após as delicadezas de praxe, usou da palavra o orador oficial do Uberabinha, Aldeonoff Povoas (nunca ouvi falar dele). Ao final, ergueu um “viva” aos adversários. A resposta à altura foi dada pelo orador oficial da casa que também terminou com um “viva” aos uberabinhenses.
Às 14h30 do dia seguinte embarcaram de volta. Na estação de Uberaba, conforme expõe o articulista, estava o mundo intelectual, o mundo político, o mundo esportivo, o mundo social, sem distinção de classes. Que despedida, hein? Na estação de Uberabinha, o povo esperava. Ninguém sabia da lavada. Naquele tempo não havia nem TV nem rádio, as notícias se arrastavam. O povo, entusiasmado e curioso, já desconfiou do fiasco ao ver as caras dos atletas confrangidas. A decepção confirmou-se no “belo improviso” do orador oficial: “Povo de Uberabinha! Saímos daqui com a sublime esperança de uma aurora boreal e viemos com a lágrima brincando em nossos olhos e com o coração marchetado de agonia!” Também, com nove nas costas…
O grande conforto, segundo o orador foi: “o goal do adversário foi uma vez furado por Manoel Theodoro, um filho de Uberabinha!” Como se nota, em nenhum momento há uma razão para a tal vitória moral.
No livro de Hildebrando Pontes, famoso historiador uberabense, consta a ficha técnica da partida:
Uberaba 9x1 Uberabinha
Data: 06/06/1920
Motivo: Taça “Alceu de Miranda”.
Local: Campo da Misericóridia, Uberaba - MG.
Uberaba: Pino, Oto e Miguel, Hildebrando, Badu e Valter, Maciel, Kiki, Valfredo, Gonçalo e Rodarte.
Uberabinha: Tefé, Schille e Acrísio, Paco, Ari e Chico, Teodoro, Ermelindo, ?, Lopes e Pedro.Gols: Kiki (5), Valfredo (1), Maciel (1), Gonçalo (1) e Rodarte (1). Ermelindo (1)
Árbitro: Sr. E. Fantato.
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Obs.: Nota-se apenas uma contradição entre os dois documentos históricos. Enquanto a publicação uberabense credita o gol uberabinhense a Ermelindo, a publicação uberabinhense o concede a Manoel Theodoro.
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Fontes:
- História do Futebol em Uberaba, Hildebrando Pontes, 1922, pág. 182
- Jornal Correio de Uberlândia, Coluna Crônica da Cidade, Antônio Pereira, 20/11/2007
- Jornal Correio de Uberlândia, por Rogério Tadeu, 1/11/2007
- O ideal de progresso e a cidade de Uberabinha: Evidências oficiais - 1888 a 1922, Willian Douglas Guilherme.